quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Centralidade da Cruz

James Montgomery Boyce

"Se a morte de Cristo na cruz é o verdadeiro significado de sua encarnação, não existe evangelho sem a cruz. O nascimento de Cristo, por si mesmo, não é a essência do evangelho. Mesmo a ressurreição, embora seja importante no plano geral da salvação, não é o cerne do evangelho. As boas-novas não consistem apenas no fato de que Deus se tornou homem, ou de que Ele falou com o propósito de revelar-nos o caminho da vida, ou de que a morte, o grande inimigo, foi vencida. As boas-novas estão no fato de que Deus lidou com nosso pecado (do que a ressurreição é uma prova); que Jesus sofreu o castigo como nosso Representante, de modo que nunca mais tenhamos de sofrê-lo; e que, por isso mesmo, todos os que crêem podem antegozar o céu. Gloriar-se na Pessoa e nos ensinos de Cristo somente é possível para aqueles que entram em um novo relacionamento com Deus, por meio da fé em Jesus como seu Substituto. A ressurreição não é apenas uma vitória sobre a morte, mas também uma prova de que a expiação foi satisfatória aos olhos do Pai (Rm 4.25) e de que a morte, o resultado do pecado, foi abolida por causa desta satisfação.

Qualquer evangelho que proclama somente a vinda de Cristo ao mundo, significando a encarnação sem a expiação, é um falso evangelho. Qualquer evangelho que proclama o amor de Deus sem ressaltar que seu amor O levou a pagar, na pessoa de seu Filho, na cruz, o preço final pelos nossos pecados, é um falso evangelho. O verdadeiro evangelho é aquele que fala sobre o "único Mediador" (1 Tm 2.5-6), que ofereceu a Si mesmo por nós.

E, assim como não pode haver um evangelho que não apresenta a expiação como o motivo para a encarnação, assim também sem a expiação não pode haver vida cristã. Sem a expiação, o conceito de encarnação facilmente se degenera num tipo de deificação do homem, levando-o a arrogância e auto-exaltação. E além disso, com a expiação (ou sacrifício) como a verdadeira mensagem da vida de Cristo e, por conseguinte, também da vida do cristão, quer homem ou mulher, esta deverá conduzi-lo à humildade e ao auto-sacrifício em favor das reais necessidades de outros. A vida cristã não demonstra indiferença àqueles que estão famintos e doentes ou têm qualquer outra dificuldade. A vida cristã não consiste em contentar-nos com as coisas que temos, ou com um viver da classe média, desfrutando de uma grande casa, carros novos, roupas finas e boas férias, ou com uma boa formação educacional, ou com a riqueza espiritual de boas igrejas, Bíblias, ensino correto das Escrituras, amigos ou uma comunidade cristã. Pelo contrário, a vida cristã envolve a conscientizaçã o de que outros carecem de tais coisas; portanto, precisamos sacrificar nossos próprios interesses, para nos identificarmos com eles, comunicando- lhes cada vez mais a abundância que desfrutamos. ..Viveremos inteiramente para Cristo somente quando estivermos dispostos a empobrecer, se necessário, para que outros sejam ajudados."

Fonte: Revista Fé Para Hoje, nº 8, 2000, pg 9

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Marcas de uma igreja saudável: marca 2 - teologia Bílbica

Mark Dever

A pregação expositiva é importante para a saúde de uma igreja. Entretanto, todo método, por melhor que seja, está sujeito a abuso e, portanto deve estar aberto a ser testado. Em nossas igrejas, deveríamos nos preocupar não só em como somos ensinados, mas com o que somos ensinados. Deveríamos apreciar o caráter são, particularmente em nossa compreensão do Deus bíblico e dos seus caminhos para conosco.

"Sanidade" é uma palavra antiquada. Nas cartas pastorais de Paulo a Timóteo e a Tito, "são" significa confiável, preciso ou fiel. Em sua raiz etimológica é uma figura do mundo médico que significa inteiro ou saudável. Lemos em 1 Timóteo 1 que a sã doutrina é amoldada pelo evangelho e que ela se opõe à impiedade e ao pecado. Ainda mais claramente, em 1 Timóteo 6:3, Paulo contrasta as "falsas doutrinas" com as "sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e. . . o ensino segundo a piedade". Assim, na sua segunda carta a Timóteo, Paulo exorta Timóteo a manter “o padrão das sãs palavras que de mim ouviste” (II Timóteo 1:13). Paulo adverte Timóteo de que "haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos” (II Timóteo 4:3).

"Se nós fôssemos expor aqui tudo o que constitui sã doutrina, teríamos que reproduzir a Bíblia inteira."

Quando Paulo escreveu a outro jovem pastor – Tito - ele tinha preocupações semelhantes. Quem quer que Tito designasse como um presbítero, diz Paulo, teria que ser “apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem” (Tito 1:9). Paulo insta Tito a reprovar falsos mestres “para que sejam sadios na fé” (Tito 1:13). E também ordena a Tito: "Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina" (Tito 2:1).

Se nós fôssemos expor aqui tudo o que constitui sã doutrina, teríamos que reproduzir a Bíblia inteira. Mas, na prática, toda igreja decide quais são os assuntos em que precisa haver total acordo, quais admitem limitada discordância, e em quais pode haver total liberdade.

Na igreja em que ministro, em Washington DC, nós definimos que qualquer pessoa que deseje ser membro deve acreditar na salvação pela obra de Jesus Cristo apenas. Também confessamos as mesmas (ou bastante parecidas) convicções quanto ao batismo do crente e ao governo da igreja. Uniformidade nestes dois pontos não é essencial à salvação, mas acordo neles é útil na prática e saudável para a vida da igreja.

"Para que possamos aprender a sã doutrina da Bíblia, nós precisamos encarar doutrinas que podem ser difíceis, ou até mesmo potencialmente divisionistas, mas que são fundamentais para compreendermos o trabalho de Deus entre nós."

Pode-se permitir alguma discordância sobre assuntos que não parecem ser necessários à salvação, nem à vida prática da igreja. Assim, por exemplo, apesar de todos nós concordamos que Cristo voltará, não ficamos surpresos ao perceber que há discordância entre nós quanto ao momento certo do Seu retorno. Pode-se desfrutar de total liberdade em assuntos ainda menos centrais ou de pouca clareza, como a validade da resistência armada, ou a autoria do livro de Hebreus.

Em tudo isso, o princípio deve estar claro: quanto mais próximos chegarmos ao coração da nossa fé, mais devemos esperar ver nossa unidade expressa em um entendimento compartilhado dessa fé. A igreja primitiva colocou este princípio da seguinte forma: no essencial, unidade; no não essencial, diversidade; e em tudo amor.

O ensino saudável inclui um compromisso claro com doutrinas freqüentemente negligenciadas, porém claramente bíblicas. Para que possamos aprender a sã doutrina da Bíblia, nós precisamos encarar doutrinas que podem ser difíceis, ou até mesmo potencialmente divisionistas, mas que são fundamentais para compreendermos o trabalho de Deus entre nós. Por exemplo, a doutrina bíblica da eleição é freqüentemente evitada por ser considerada muito complexa, ou muito confusa. Seja como for, é inegável que esta doutrina é bíblica, e que é importante. Enquanto possa ter implicações que nós não entendemos plenamente, não é algo pequeno considerar que nossa salvação no final das contas procede de Deus em vez de nós mesmos. Outras perguntas importantes cujas respostas bíblicas também vêm sendo negligenciadas:

• Pessoas são basicamente ruins ou boas? Elas precisam tão somente de encorajamento e de um aumento de auto-estima, ou elas precisam de perdão e nova vida?

• O que Jesus Cristo fez morrendo na cruz? Ele tornou possível uma opção, ou Ele foi nosso substituto?

• O que acontece quando alguém se torna um cristão?

• Se nós somos cristãos, podemos estar seguros de que Deus continuará cuidando de nós? Neste caso, o Seu cuidado contínuo baseia-se em nossa fidelidade, ou na dEle?

Todas estas perguntas não são simplesmente questões para teólogos eruditos ou para jovens estudantes de seminário. Elas são importantes para todo cristão. Aqueles de nós que são pastores sabem quão diferentemente nós pastorearíamos nosso povo se nossa resposta a qualquer uma destas perguntas fosse alterada. Fidelidade às Escrituras exige que nós falemos sobre estes assuntos com clareza e autoridade.

"Designar como líder uma pessoa que duvida da soberania de Deus ou que entende mal o ensino bíblico sobre esses assuntos é colocar como exemplo uma pessoa que pode estar muito pouco disposta a confiar em Deus."

Nosso entendimento do que a Bíblia ensina a respeito de Deus é crucial. O Deus Bíblico é Criador e Senhor; e ainda assim Sua soberania às vezes é negada até mesmo dentro da igreja. Cristãos confessos que resistem à idéia da soberania de Deus na criação ou na salvação estão, na verdade, brincando com um paganismo piedoso. Muitos cristãos têm questionamentos honestos sobre a soberania de Deus, mas uma negação contínua, tenaz, da soberania de Deus deveria nos deixar preocupados. Batizar uma pessoa assim, pode significar o batismo de um coração que ainda é de algum modo incrédulo. Admitir tal pessoa na membresia significa tratá-la como se ela confiasse em Deus, quando na verdade ela não confia.

Por mais perigosa que tal resistência seja em um cristão qualquer, ela é ainda mais perigosa no líder de uma congregação. Designar como líder uma pessoa que duvida da soberania de Deus ou que entende mal o ensino bíblico sobre esses assuntos é colocar como exemplo uma pessoa que pode estar muito pouco disposta a confiar em Deus. Tal indicação está fadada a ser um forte obstáculo para a igreja.

Atualmente a nossa cultura freqüentemente nos encoraja a transformarmos o evangelismo em propaganda e explica a obra do Espírito em termos de marketing. O próprio Deus às vezes é moldado à imagem do homem. Em tempos assim, uma igreja saudável deve ter um cuidado especial em orar por líderes que tenham uma compreensão bíblica e experimental da soberania de Deus e um compromisso com a sã doutrina, em sua absoluta glória bíblica. Uma igreja saudável é marcada pela pregação expositiva e por uma teologia bíblica.

Fonte: e-mails que me passam


Marcas de uma igreja saudável: Marca 1 - Pregação Expositiva

Marcas de uma igreja saudável: Marca 1 - Pregação Expositiva

Mark Dever

md003paulopregando.jpg (23K) - Paulo pregando em Tessalônica

O ponto para começar a falar sobre as marcas da igreja saudável é onde Deus começa conosco – o modo como Ele fala conosco. Foi por aí que a nossa própria saúde espiritual veio, e é por esse caminho que a saúde de nossas igrejas virá também. Especialmente importante para qualquer um que esteja na liderança de uma igreja, mas particularmente para o pastor, é um compromisso com a pregação expositiva, um dos mais antigos métodos de pregação. Trata-se da pregação cujo objetivo é expor o que é dito em uma passagem particular da Bíblia, explicando cuidadosamente seu significado e aplicando-o à congregação (veja Neemias 8:8). Existem, evidentemente, muitos outros tipos de pregação. Sermões tópicos, por exemplo, coletam tudo o que a Bíblia ensina sobre um único assunto, como a oração ou a contribuição. A pregação biográfica aborda a vida de alguém na Bíblia e retrata-a como uma demonstração da graça de Deus e como um exemplo de esperança e fidelidade. Mas a pregação expositiva é algo diferente - uma explicação e aplicação de uma porção particular da Palavra de Deus.

"(...) os pregadores cristãos de hoje têm autoridade para falar da parte de Deus somente se proclamarem as palavras dEle."

A pregação expositiva presume uma convicção na autoridade da Bíblia, mas é algo mais. Um compromisso com a pregação expositiva é um compromisso de ouvir a Palavra de Deus. Assim como os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos do Novo Testamento não receberam apenas uma ordem para ir e falar, mas uma mensagem específica, os pregadores cristãos de hoje têm autoridade para falar da parte de Deus somente se proclamarem as palavras dEle. Assim, a autoridade do pregador expositivo começa e termina com as Escrituras. Às vezes as pessoas podem confundir pregação expositiva com o estilo de um pregador expositivo predileto, mas não é fundamentalmente uma questão de estilo. Como outros já observaram a pregação expositiva não é tanto sobre como nós dizemos o que dizemos, mas sobre como nós decidimos o que dizer. Não é marcada por uma forma particular, mas por um conteúdo bíblico.

Pode-se aceitar alegremente a autoridade da Palavra de Deus e até mesmo professar a convicção na inerrância da Bíblia; ainda assim se na prática (propositalmente ou não) alguém não prega expositivamente, nunca pregará além do que já sabe. Um pregador pode tomar um trecho das Escrituras e exortar a congregação em um tópico que é importante sem que ele realmente pregue o ponto abordado na passagem. Quando isso acontece, o pregador e a congregação só ouvem nas Escrituras o que eles já sabiam.

"Como outros já observaram a pregação expositiva não é tanto sobre como nós dizemos o que dizemos, mas sobre como nós decidimos o que dizer."

Em contrapartida, quando pregamos uma passagem das Escrituras no contexto, expositivamente - tomando o ponto da passagem como o ponto da mensagem - nós ouvimos de Deus coisas que nós não pretendíamos ouvir quando começamos. Desde a chamada inicial ao arrependimento até a área de nossas vidas em que o Espírito nos condenou recentemente, a nossa salvação inteira consiste em ouvir a Deus de modos que nós, antes de ouvi-lO, nunca teríamos adivinhado. Esta submissão extremamente prática à Palavra de Deus deve ser evidente no ministério de um pregador. Não se deixe enganar: em última instância, é responsabilidade da congregação assegurar que as coisas sejam assim (observe a responsabilidade que Jesus põe sobre a congregação em Mateus 18, ou Paulo em 2 Timóteo 4). Uma igreja jamais pode colocar como supervisor espiritual do rebanho uma pessoa que não demonstra na prática um compromisso claro em ouvir e ensinar a Palavra de Deus. Agir assim é impedir inevitavelmente o crescimento da igreja, praticamente encorajando-a a só crescer até o nível do pastor. Se assim for, a igreja será conformada lentamente à mente dele, em vez de ser conformada à mente de Deus.

O povo de Deus sempre foi criado pela Palavra de Deus. Da criação em Gênesis 1 até a chamada de Abraão em Gênesis 12, da visão do vale dos ossos secos em Ezequiel 37 até a vinda da Palavra Viva, Deus sempre criou o Seu povo através da Sua Palavra. Como Paulo escreveu aos romanos, “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (10:17). Ou, como ele escreveu aos coríntios, "Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação" (1 Cor. 1:21).

"Uma igreja construída sobre a música – seja qual for o estilo - é uma igreja construída sobre a areia."

A pregação expositiva sadia freqüentemente é o manancial de crescimento em uma igreja. Na experiência de Martinho Lutero, tal atenção cuidadosa para com a Palavra de Deus foi o princípio da reforma. Nós também precisamos estar comprometidos em sermos igrejas que sempre estão sendo reformadas de acordo com a Palavra de Deus.

Certa vez, quando eu estava ensinando em um seminário sobre puritanismo em uma igreja de Londres, eu mencionei que os sermões puritanos às vezes duravam duas horas. Diante disso, uma pessoa perguntou, "Quanto tempo sobrava para a adoração?" A suposição era de que ouvir a palavra de Deus pregada não constituía adoração. Eu respondi que muitos cristãos protestantes ingleses teriam considerado a possibilidade de ouvir a palavra de Deus no seu próprio idioma e de responder a ela nas suas vidas como a parte essencial da sua adoração. Se eles teriam tempo para cantar juntos seria comparativamente de pouca importância.

Nossas igrejas têm que recuperar a centralidade da Palavra na nossa adoração. Ouvir a Palavra de Deus e responder a ela pode incluir louvor e ações de graças, confissão e proclamação, e qualquer destas coisas pode vir na forma de canções, mas nenhuma delas precisa ter essa forma. Uma igreja construída sobre a música – seja qual for o estilo - é uma igreja construída sobre a areia. Pregar é o componente fundamental do pastorado. Ore por seu pastor, para que ele se dedique a estudar Bíblia rigorosa, cuidadosa e seriamente, e para que Deus o conduza na compreensão da Palavra, na aplicação dela à sua própria vida, e na aplicação dela à igreja (veja Lucas 24:27; Atos 6:4; Ef. 6:19-20). Se você é um pastor, ore por estas coisas para si mesmo. Ore também por outros que pregam e ensinam a Palavra de Deus. Finalmente, ore para que nossas igrejas assumam um compromisso de ouvir a Palavra de Deus pregada expositivamente, de forma que os rumos de cada igreja sejam crescentemente moldados pela agenda de Deus expressa nas Escrituras. O compromisso com a pregação expositiva é uma marca de uma igreja saudável.

Fonte: e-mails que me passam

sábado, 21 de março de 2009

A Melhor Atividade entre os Domingos

C.H. Spurgeon

chs008.jpg (9K) - Oração

Imagino que na maioria dos lugares se faz reunião de oração numa noite da semana. Se querem que, como vocês, os membros da vossa igreja sejam conquistadores de almas para Cristo, façam tudo que puderem para manter as reuniões de oração. Não sejam como certos ministros dos subúrbios londrinos que alegam que não conseguem fazer os crentes assistirem a reunião de oração, e numa outra noite, a reunião de estudo da Bíblia; e assim fazem uma só reunião para oração, na qual incluem uma breve pregação. Outro dia, um obreiro preguiçoso disse que o estudo bíblico dá quase tanto trabalho quanto um sermão. Assim, ele faz uma reunião de oração e inclui nela uma palestra. Daí resulta que a reunião não é nem uma coisa nem outra; nem carne nem peixe. Logo a, suprimirá de uma vez, porque está convencido que não é boa - e eu estou certo de que os crentes têm também esta opinião. Depois disso, por que não há de suprimir também um dos cultos dominicais? O mesmo raciocínio sobre o trabalho do meio da semana pode ser aplicado ao do domingo.

Hoje mesmo li num jornal americano o seguinte: "Comenta-se de novo o bem conhecido fato de que na igreja de Spurgeon, em Londres, um domingo de noite em cada três meses, os ouvintes habituais se ausentam para ceder o local aos estranhos. "É excluída a jactância" inglesa neste ponto. Nosso cristianismo americano é de tão nobre classe que numerosos grupos de crentes de nossas igrejas cedem os seus lugares todos os domingos à noite, o ano inteiro, aos estranhos"! Oxalá não suceda isso com os membros das vossas igrejas, quer nos cultos de domingo, quer nas reuniões de oração.

"Em vosso lugar, eu faria da reunião de oração uma característica distintiva do meu ministério. Façam o possível para que ela seja tal que não haja outra igual num raio de sete mil quilômetros."

Em vosso lugar, eu faria da reunião de oração uma característica distintiva do meu ministério. Façam o possível para que ela seja tal que não haja outra igual num raio de sete mil quilômetros. Não sejam como muitos que vão à reunião de oração para dizer qualquer coisa que lhes ocorra no momento. Façam o melhor que puderem para tornar a reunião interessante a quantos compareçam. E não hesitem em dizer ao caro senhor Linguaraz que, Deus vos ajudando, ele não irá fazer oração de vinte e cinco minutos. Peçam-lhe encarecidamente que a abrevie, e se não atender, interrompam-no. Se um homem entrasse em minha casa querendo cortar a garganta da minha esposa, procuraria dissuadí-lo do seu erro e depois o impediria de fato de fazer qualquer mal a ela. Amo a igreja quase tanto como a minha querida esposa. Deste modo, se alguém fizer oração comprida, que vá orar em qualquer outro lugar, não porém numa reunião que eu esteja dirigindo. Se alguém não puder orar em público sem ultrapassar um espaço de tempo razoável, digam-lhe que termine em casa sua oração. E se os participantes parecem estar entorpecidos e desanimados, façam-nos cantar hinos populares. Depois, quando já os estejam cantando de cor, façam-nos retornar ao hinário da igreja.

Mantenham a reunião de oração, ainda que tudo mais fraqueje. Este é o grande empreendimento da semana, a melhor atividade realizada entre os domingos. Assegurem-se de que seja mesmo. Se virem que os crentes não podem freqüentar a reunião à noite, procurem fazê-Ia num horário em que possam vir. Numa região rural, poderiam ter uma boa reunião às quatro e meia ou cinco da manhã. Por que não? Conseguirão mais gente às cinco da manhã do que às cinco da tarde. Creio que uma reunião de oração às seis da manhã para agricultores atrairia muitos. Entrariam por um pouco, teriam algumas palavras de oração, e ficariam contentes com a oportunidade. Também poderiam ter uma reunião à meia noite. Encontrariam gente que não estaria lá em nenhuma outra hora.

"Mantenham a reunião de oração, ainda que tudo mais fraqueje. Este é o grande empreendimento da semana, a melhor atividade realizada entre os domingos."

Façam-na à uma hora, às duas, às três, a qualquer hora do dia ou da noite, de sorte que, de uma forma ou de outra, façam as pessoas irem orar. E se não puderem induzí-Ias a freqüentarem as reuniões, vão às suas casas e digam-Ihes: "Vou fazer uma reunião de oração em tua sala de visitas". "Meu caro, minha mulher ficará daquele jeito!" "Não, não. Diga-lhe que não se apoquente, pois, podemos usar a cocheira; ou o jardim, ou quatquer outro canto mas temos que fazer uma reunião de oração aqui. Se não vêm à reunião, temos que ir a eles. Imaginem como seria se cinqüenta de nós fôssemos à rua para fazer uma reunião de oração ao ar livre! Bem, há muitas coisas piores do que isso. Recordem como as mulheres da América lutaram contra os traficantes de bebidas alcoólicas, quando se empenharam em oração até que eles deixassem de praticar o contrabando. Se não podemos despertar as pessoas sem fazer coisas incomuns, pois bem, em nome de tudo que é bom e nobre façamos coisas incomuns. Mas, de algum modo temos que manter vivas as reuniões de oração, pois elas estão ligadas à verdadeira fonte de poder com Deus e com os homens.


Fonte: O Conquistador de Almas - Charles Spurgeon - Editora PES - p. 93

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Enfermeira é suspensa após orar por paciente

INGLATERRA — Foi anunciado que os funcionários do NHS (Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido) que falarem sobre sua religião com os pacientes podem perder seu emprego.

Um documento do Departamento de Saúde alerta que, falar sobre religião com pacientes pode ser considerado incômodo ou intimidação.

O documento, publicado no mês passado, não apresenta exatamente o que é aceitável, mas declara que ações que demonstrem má conduta podem levar à demissão.

As notícias são particularmente irônicas para muitos hospitais, como os hospitais de Londres Saint Barth e Saint Thomas, que foram fundados, como muitos hospitais, por obra de caridade cristã.

Isto aconteceu depois que uma enfermeira cristã que havia sido suspensa por oferecer oração a um paciente foi chamada para retornar ao trabalho.

Seus superiores no NHS foram forçados a uma humilhante retratação depois que o caso provocou uma comoção nacional. Caroline Petrie recebu cautelosamente a proposta – mas não foi forçada a escolher entre sua profissão e sua fé.

A Senhora Petrie foi acusada de não demonstrar compromisso com ‘igualdade e diversidade’, e enfrentou uma audiência disciplinar. Deve-se destacar que o NHS de North Somerset oferece serviços como capelania e salas de oração para uso de seguidores de todas as crenças.

Porém, aqueles que a apoiam reinvindicam que ela foi uma vítima de discriminação religiosa. O NHS no distrito de North Somerset emitiu uma declaração dizendo que havia contatado a senhora Petrie e esperava que retornasse ao trabalho o mais rápido possível.

No entanto, acrescentou: “É aceitável oferecer apoio espiritual como parte do tratamento quando o paciente pedir. Porém, para as enfermeiras, cujo principal papel é fornecer cuidados de enfermagem, a iniciativa deve ser do paciente e não da enfermeira”.

“Enfermeiras como Caroline não precisam colocar sua fé de lado, mas crenças e práticas pessoais devem ser secundárias às necessidades e crenças do paciente, e aos requisitos da prática profissional.”

“Estamos felizes por tomarmos esta posição clara de modo que Caroline e outros funcionários continuem a oferecer cuidado de alta qualidade para os pacientes enquanto continuam comprometidos com suas crenças.”

A senhora Petrie, 45 anos, declarou que a proposta foi ‘uma boa notícia’, mas precisa de uma garantia firme de que suas crenças serão aceitas por seus superiores antes de reassumir suas funções como enfermeira substituta. Ela acrescentou que não sabia nada sobre a proposta de retornar ao trabalho até que o jornal entrou em contato com ela.

“Eles ainda não falaram nada comigo diretamente”, disse ela. “Não estou certa de querer voltar ao trabalho antes de saber quais serão as implicações. “Gostaria de saber quais são os termos antes de tomar minha decisão.”

“É muito difícil não perguntar aos pacientes se eles querem que eu ore por eles quando acredito que a oração é eficaz para os doentes. É uma questão de consciência para mim. Eu não deveria escolher entre ser uma cristã ou ser uma enfermeira.”

Petrie havia perguntado a May Phippen, 79 anos, se queria que orasse por ela no final da visita domiciliar. A senhora Phippen não se ofendeu e não fez uma queixa formal. Mas disse a outra enfermeira que achou aquilo estranho e que poderia ser considerado preocupante ou ofensivo por outros se fossem de outras crenças ou poderiam achar que precisavam de oração por estarem muito doentes.

A batista, que se tornou cristã dez anos atrás, após a morte de sua mãe, disse que suas orações tinham efeito real nos pacientes, incluindo uma mulher católica cuja infecção urinária desapareceu dias depois de ter feito uma oração.

Tradução: Cláudia Veloso

Fonte: Missão Portas Abertas

Divulgação: www.juliosevero.com

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O que é ser Reformado?

Qual a sua opinião quanto a questão: O que é ser reformado? Quais são as características de uma Igreja Reformada? Será que no Brasil de hoje existe Igrejas Reformadas? Como podemos contextualizar os princípios reformados na Igreja hoje?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Deus Governa os Corações dos Maus

por
Agostinho


O esmerado estudo da Escritura mostra que Deus não somente dirige para as boas ações e para a vida as boas vontades dos homens, que ele torna boas, embora sejam más, como também mantém sob o seu poder todas as vontades em geral. Ele as inclina como quer e quando quer, seja para prestar favores a uns, seja para infligir castigos a outros, de acordo com Sua vontade, obedecendo a desígnios que são certamente ocultos, mas sempre justos.

Deparamos, por exemplo, com alguns pecados que são castigados de outros pecados, como os vasos de ira, prontos para a perdição, como diz Paulo (Romanos 9.22). Assim foi o endurecimento do Faraó, cuja razção foi a necessidade de o Senhor manifestar-lhe seu poder (Êxodo 7.3; 10.1). Assim foi a fuga dos israelitas na presença de seus inimigos da cidade de Hai; foram tomados pelo medo e fugiram. Isto lhes aconteceu como vingança do pecado com as circusntâncias com que merecia ser vingado. Refletem o fato as palavras do Senhor a Josué: Israel não poderá ter-se diante de seus inimigos (Josué 7.4-12). O que significa: não poderá ter-se? Por que não puderam resistir pela força do livre-arbítrio e, com a vontade enfraquecida, fugiram tomados de medo? Não seria porque Deus domina até as vontades humanas e deixa serem invadidos pelo temor aqueles que Ele assim quer quando cheio de ira? Os inimigos de Israel não lutaram por vontade própria contra o povo de Deus conduzido por Josué? No entanto, diz a Escritura: Porque tinha sido desígnio do Senhor que os seus corações se endurecessem e combatessem contra Israel, e que fossem derrotados (Josué 11.28).

Aquele malvado filho de Jêmini não maldizia o rei Davi por sua própria vontade? Contudo, o que disse Davi, cheio de verdadeira, sublime e piedosa sabedoria? Que importa a mim e a vós, filhos de Sárvia? Deixai que amaldiçoe, porque o Senhor lhe permitiu que amaldiçoasse Davi, e quem se atreverá a dizer: Por que ele fez assim? Em seguida, a Escritura, elogiando o sentimento do rei e como que repetindo desde o princípio, diz: E o rei disse a Abisaí e a todos os seus servos: eis que meu filho, que eu gerei das minhas entranhas, procura tirar-me a vida; quanto mais agora um filho de Benjamin! Deixai-o maldizer, conforme a permissão do Senhor; talvez o Senhor olhe para a minha aflição, e me dê bens pelas maldições deste dia (2 Samuel 16.5-12).

Qual a pessoa inteligente que chegue a entender como o Senhor disse a esse homem que amaldiçoasse Davi? Não o disse mandando, caso em que deveríamos louvar-lhe a obediência. Mas porque Deus, por um desígnio oculto e justo inclinou Sua vontade já dotada de maldade, está escrito: O Senhor lhe permitiu. Se Deus tivesse mandado e ele tivesse obedecido, mereceria louvor e não castigo, o qual, conforme sabemos, sobreveio-lhe posteriormente. E sabemos também a causa de o Senhor que maldicesse Davi, isto é, a causa de tê-lo feito cair nesse pecado: Talvez o Senhor olhe para a minha aflição e me dê bens pelas maldições desse dia.

O episódio revela que Deus se serve dos corações dos maus para louvor e ajuda aos bons. Assim procedeu ao servir-se de Judas para trair a Cristo, e dos judeus, para a sua crucificação. Qtod bens proporcionou desse modo aos povos fiéis! E se utiliza também do próprio demônio, mas para o bem, a fim de exercitar e provar a fé e a piedade dos bons. Esse proceder em nada favorece o Senhor, que tudo conhece de antemão, mas a nós necessitados de que essas coisas aconteçam.

Absalão não escolheu livremente o conselho que não o favoreceu? Mas ele o fez porque o Senhor ouvira a oração de seu pai, que assim suplicara. Por isso diz a Escritura: Por disposição do Senhor foi abandonado o útil conselho de Aquitofel, para que o Senhor fizesse cair o mal sobre Absalão (2 Samuel 17.14). Disse conselho útil, porque no momento favorecia a causa, ou seja, a luta contra o pai, contra o qual se rebelara. Seguindo o conselho de Aquitofel, conseguiria exterminar o pai, se Deus não o tivesse inutilizado, atuando no coração de Absalão para rejeitar tal conselho e preferisse outro que não o favorecia.


Fonte:
A Graça (II), Editora Paulus.

Alimentando as Ovelhas ou Divertindo os Bodes?

por

Charles H. Spurgeon


Existe um mal entre os que professam pertencer aos arraiais de Cristo, um mal tão grosseiro em sua imprudência, que a maioria dos que possuem pouca visão espiritual dificilmente deixará de perceber. Durante as últimas décadas, esse mal tem se desenvolvido em proporções anormais. Tem agido como o fermento, até que toda a massa fique levedada. O diabo raramente criou algo mais perspicaz do que sugerir à igreja que sua missão consiste em prover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para Cristo. A igreja abandonou a pregação ousada, como a dos puritanos; em seguida, ela gradualmente amenizou seu testemunho; depois, passou a aceitar e justificar as frivolidades que estavam em voga no mundo, e no passo seguinte, começou a tolerá-las em suas fronteiras; agora, a igreja as adotou sob o pretexto de ganhar as multidões.

Minha primeira contenção é esta: as Escrituras não afirmam, em nenhuma de suas passagens, que prover entretenimento para as pessoas é uma função da igreja. Se esta é uma obra cristã, por que o Senhor Jesus não falou sobre ela? "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura" (Mc 16.15) — isso é bastante claro. Se Ele tivesse acrescentado: "E oferecei entretenimento para aqueles que não gostam do evangelho", assim teria acontecido. No entanto, tais palavras não se encontram na Bíblia. Sequer ocorreram à mente do Senhor Jesus. E mais: "Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres" (Ef 4.11). Onde aparecem nesse versículo os que providenciariam entretenimento? O Espírito Santo silenciou a respeito deles. Os profetas foram perseguidos porque divertiam as pessoas ou porque recusavam-se a fazê-lo? Os concertos de música não têm um rol de mártires.

Novamente, prover entretenimento está em direto antagonismo ao ensino e à vida de Cristo e de seus apóstolos. Qual era a atitude da igreja em relação ao mundo? "Vós sois o sal", não o "docinho", algo que o mundo desprezará. Pungente e curta foi a afirmação de nosso Senhor: "Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos" (Lc 9.60). Ele estava falando com terrível seriedade!

Se Cristo houvesse introduzido mais elementos brilhantes e agradáveis em seu ministério, teria sido mais popular em seus resultados, porque seus ensinos eram perscrutadores. Não O vejo dizendo: "Pedro, vá atrás do povo e diga-lhe que teremos um culto diferente amanhã, algo atraente e breve, com pouca pregação. Teremos uma noite agradável para as pessoas. Diga-lhes que com certeza realizaremos esse tipo de culto. Vá logo, Pedro, temos de ganhar as pessoas de alguma maneira!" Jesus teve compaixão dos pecadores, lamentou e chorou por eles, mas nunca procurou diverti-los. Em vão, pesquisaremos as cartas do Novo Testamento a fim de encontrar qualquer indício de um evangelho de entretenimento. A mensagem das cartas é: "Retirai-vos, separai-vos e purificai-vos!" Qualquer coisa que tinha a aparência de brincadeira evidentemente foi deixado fora das cartas. Os apóstolos tinham confiança irrestrita no evangelho e não utilizavam outros instrumentos. Depois que Pedro e João foram encarcerados por pregarem o evangelho, a igreja se reuniu para orar, mas não suplicaram: "Senhor, concede aos teus servos que, por meio do prudente e discriminado uso da recreação legítima, mostremos a essas pessoas quão felizes nós somos". Eles não pararam de pregar a Cristo, por isso não tinham tempo para arranjar entretenimento para seus ouvintes. Espalhados por causa da perseguição, foram a muitos lugares pregando o evangelho. Eles "transtornaram o mundo". Essa é a única diferença! Senhor, limpe a igreja de todo o lixo e baboseira que o diabo impôs sobre ela e traga-nos de volta aos métodos dos apóstolos.

Por último, a missão de prover entretenimento falha em conseguir os resultados desejados. Causa danos entre os novos convertidos. Permitam que falem os negligentes e zombadores, que foram alcançados por um evangelho parcial; que falem os cansados e oprimidos que buscaram paz através de um concerto musical. Levante-se e fale o alcoólatra para quem o entretenimento na forma de drama foi um elo no processo de sua conversão! A resposta é óbvia: a missão de prover entretenimento não produz convertidos verdadeiros. A necessidade atual para o ministro do evangelho é uma instrução bíblica fiel, bem como ardente espiritualidade; uma resulta da outra, assim como o fruto procede da raiz. A necessidade de nossa época é a doutrina bíblica, entendida e experimentada de tal modo, que produz devoção verdadeira no íntimo dos convertidos.

A Mensagem da Reforma para os Dias de Hoje

por

F. Solano Portela Neto


I. POR QUE LEMBRAR A REFORMA?

Em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero pregou as suas hoje famosas 95 Teses na porta da catedral de Wittenberg. Periodicamente as igrejas evangélicas relembram aqueles eventos que, na soberana providência de Deus, preservaram viva a Sua Igreja. Muitos, entretanto, questionam essas comemorações e alguns chegam até a contestar a lembrança da Reforma. "Por que considerar o que aconteceu há quase 500 anos?"

Seguramente, muitos não estudam a Reforma por mero desconhecimento do fato, por falta de informação ou por não se aperceberem da sua importância na vida da Igreja e da humanidade. Outros há que procuram um esquecimento voluntário daqueles eventos do século XVI. Martin Lloyd-Jones nos fala que entre aqueles que rejeitam a memória da Reforma temos, basicamente, dois tipos de argumentação: 1º) Dos que dizem que o passado nada tem a nos ensinar; e 2º) Dos que vêem a Reforma como uma tragédia na história religiosa da humanidade. Para os primeiros, somente o progresso científico e o futuro nos interessam. Firmadas em uma mentalidade evolucionista, estas pessoas partem para uma abordagem histórica de que o presente é sempre melhor do que o passado. Eles nada enxergam na história que possa nos servir de lição, apoio, ou alerta. Já para os segundos, devemos estudar a unidade e não um movimento que trouxe a divisão e o cisma ao cristianismo. Para eles, perdemos tempo quando nos ocupamos de algo "tão negativo".

Podemos dar graças, entretanto, pelo fato de que um segmento da Igreja ainda acha importante relembrar e aplicar as questões levantadas pelos Reformadores. Contudo, o mesmo Martin Lloyd-Jones alerta para um perigo que ainda existe no interesse pelos acontecimentos que marcaram o século XVI. Na realidade, ele nos confronta com uma forma errada e uma forma certa de relembrar o passado, do ponto de vista religioso.

A forma errada seria estudar o passado por motivos meramente históricos. Esse estudo seria semelhante à abordagem que um antiquário dedica a um objeto. Por exemplo, quando ele examina uma cadeira, não está interessado se ela é confortável, se dá para sentar-se bem nela, ou se ela cumpre adequadamente a sua função de cadeira. Basicamente, a preocupação se resume à sua idade, ao seu estado de conservação e, principalmente, a quem ela pertenceu. Isso determinará o valor daquele objeto para o antiquário e motivará o seu estudo.

Em Mateus 23:29-35 teríamos um exemplo dessa abordagem errada do passado. O trecho diz:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque edificais os sepulcros dos profetas, adornais os túmulos dos justos e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas! Assim, contra vós mesmos, testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? Por isso, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar.

Jesus diz que aqueles homens pagavam tributo à memória dos profetas e líderes religiosos do passado. Eles prezavam tanto a história que cuidavam dos sepulcros e os enfeitavam, proclamavam a todos que os profetas eram homens bons e nobres, e atacavam quem os havia rejeitado. Diziam eles: "se estivéssemos lá, se vivêssemos naquela época, não teríamos feito isso!" Mas Jesus não Se impressiona e os chama de hipócritas! A argumentação de Jesus é a seguinte: Se vocês se dizem admiradores dos profetas, como é que estão contra aqueles que representam os profetas e proclamam a mesma mensagem que eles proclamaram? Jesus testou a sinceridade deles pondo a descoberto a atitude que mantinham contra aqueles que pregavam a mensagem de Deus e mostra que eles próprios seriam perseguidores e assassinos dos proclamadores da mensagem dos profetas de Deus.

Esse é também o nosso teste: Alguém pode olhar para trás e louvar homens famosos, mas isso pode ser pura hipocrisia se não aceitar, no presente, aqueles que pregam a mensagem de Lutero e de Calvino. Somos mesmo admiradores da Reforma promovida por aqueles grandes profetas de Deus?

Mas existe uma forma correta de relembrar o passado. Ela pode ser deduzida não apenas por exclusão e inferência do texto anterior, mas principalmente da passagem de Hebreus 13:7-8, que diz:

Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram. Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre

A maneira correta de relembrar a Reforma é, portanto, verificar a mensagem, a Palavra de Deus como foi pregada; e isso não apenas por um interesse histórico de "antiquário", mas com o bom propósito de imitar a fé ali demonstrada. Devemos observar esse evento e aqueles homens, para aprender e seguir os seus exemplos, discernindo a sua mensagem e aplicando-a aos nossos dias.


II. DISTORÇÕES VERIFICADAS NA LEMBRANÇA DA REFORMA

Muitos de nós, que crescemos neste país de maioria católica, já ouvimos, numa ou noutra ocasião, alguma posição distorcida tanto sobre os fatos da Reforma do Século XVI quanto sobre os Reformadores. Uma das versões comuns, na visão da Igreja Católica, apresenta Lutero como um monge que queria casar-se e que por isso teria brigado com o Papa. Outros dizem que Lutero ambicionava o poder político; e ainda outros falam que Lutero era apenas um místico rebelde, sem convicções reais e profundas. Até mesmo a descrição dele como doente da alma, psicopata, enganador e falso profeta permanece em vários escritos de historiadores famosos do período. Um famoso autor e historiador católico brasileiro chegou a escrever que "excomungado em Worms, em 1521, Lutero entregou-se ao ócio e à moleza."

Em anos mais recentes, um novo tipo de abordagem da Reforma tem surgido nos círculos católicos, embora continue representando alguma forma de distorção. Por exemplo, em 1983, quando se completaram 500 anos desde o nascimento de Lutero, o Papa participou de algumas cerimônias comemorativas do evento na Alemanha. Certamente o Papa não fez por convencimento das verdades ensinadas por Lutero, pois a igreja que representa nada mudou doutrinariamente após a sua participação. A visita do Papa evidencia, entretanto, uma comprovação de que a imagem de Lutero e os princípios que pregava estão sendo alvos de um revisionismo histórico para fins de distorções. Diluir a força das doutrinas que Lutero pregava possibilita uma aproximação com os fatos históricos descontextualizados.

Em 1967, nos 450 anos da Reforma, a revista TIME escreveu o seguinte: "O domingo da Reforma está se tornando um evento ecumênico que olha para o futuro, em vez de para o passado." Na mesma ocasião, um semanário jesuíta fez esta afirmação: "Lutero foi um profundo pensador espiritual que foi levado à revolta por papas mundanos e incompetentes." Essas colocações fazem da Reforma uma revolta contra pessoas individuais e não contra um sistema de doutrinas de uma igreja apóstata, que continua persistindo em seus conceitos e práticas divorciados da Palavra de Deus.

Refletindo o sentimento ecumênico que tem permeado a segunda metade do século XX, bispos das Igrejas Católica e Luterana dos Estados Unidos fizeram uma declaração solidária, no aniversário da Reforma, dizendo o seguinte: "…recomendamos um programa conjunto, entre os membros de nossas igrejas, de estudos, reflexão e oração." Podemos imaginar os jesuítas, consciente e sinceramente, fazendo orações, estudos e reflexões em comemoração à Reforma do Século XVI? Certamente isso só seria possível se os jesuítas ignorassem os pontos doutrinários fundamentais levantados pelos Reformadores.

Refletindo uma visão político-sociológica da Reforma, uma outra distorção permeou, durante muito tempo, o pensamento revisionista da história. Na época em que o comunismo ainda imperava na Europa Oriental, porta-vozes do partido comunista da Alemanha relembraram Lutero como sendo "um precursor da revolução."

III. ESQUECIMENTO DOUTRINÁRIO DOS PRINCÍPIOS DA REFORMA

Muitas das comemorações conjuntas da Reforma por católicos e protestantes, descritas acima, só ocorrem porque não se falam nas doutrinas principais levantadas pelo movimento do século XVI. Tristemente, temos observado que mesmo no campo chamado "evangélico" a situação é semelhante. Raras são as igrejas e denominações evangélicas que ensinam o que foi a Reforma do Século XVI e muito poucas as que comemoram o evento e aproveitam para relembrar e reaplicar os princípios nela levantados. Mais recentemente, temos observado que tem sido removida a clara linha que separa o protestantismo do catolicismo quanto ao entendimento da fé cristã e da salvação. Isso, que até alguns anos atrás era praticado somente pela teologia liberal - que já havia declaradamente abandonado os princípios norteadores da Palavra de Deus - hoje está presente no campo protestante evangélico.

Essa falta de discernimento e conhecimento histórico, prático e teológico tem-se achado até mesmo dentro do campo ortodoxo, incluindo teólogos reformados e tradicionais. Referimo-nos ao documento "Evangélicos e Católicos Juntos" (Evangelicals and Catholics Together), publicado em 1994 nos Estados Unidos, e que tem sido uma fonte de controvérsia desde a sua divulgação.

A base e intenção do documento foi a realização de ações conjuntas de cunho moral-político por católicos e protestantes, mas ele evidencia uma grande falta de discernimento e sabedoria. Por exemplo, o documento defende que as pessoas convertidas devem ser respeitadas na decisão de se filiar ou a uma igreja católica ou a uma protestante. Estas declarações foram emitidas como se a fé fosse a mesma, como se a doutrina fosse igual, como se a base dos ensinamentos fosse comum, como se as distinções inexistissem ou fossem extremamente secundárias.

A premissa básica do documento "Evangélicos e Católicos Juntos" é que a evangelização de católicos é algo indesejável e não recomendável, uma vez que a verdadeira fé e prática cristã já devem estar presentes na Igreja de Roma. Em sua essência, esse documento é a grande evidência do esquecimento da Reforma do Século XVI e do que ela representou e representa para a verdadeira Igreja de Cristo.

Algum evangélico poderia argumentar, "mas isso é coisa de americano, não atinge o nosso país!" Ledo engano! A conhecida e prestigiada Revista Ultimato trouxe em suas páginas, no número de setembro de 1996, artigos e depoimentos advindos do campo evangélico ortodoxo, refletindo basicamente a mesma compreensão do documento "Evangélicos e Católicos Juntos", ou seja: que as distinções relativas à Igreja de Roma seriam secundárias e não essenciais.

Tal situação reflete pelo menos uma crassa ignorância da doutrina católica romana. Por exemplo os cânones 9 e 11 do Concílio de Trento, escritos no auge da Contra-Reforma, mas nunca abrogados até os dias de hoje, dizem o seguinte:

Cânon 9—Se alguém disser que o pecador é justificado somente pela fé, querendo dizer que nada coopera com a fé para a obtenção da graça da justificação; e se alguém disser que as pessoas não são preparadas e predispostas pela ação de sua própria vontade—que seja maldito.

Cânon 11—Se alguém disser que os homens são justificados unicamente pela imputação da justiça de Cristo ou unicamente pela remissão dos seus pecados, excluindo a graça e amor que são derramados em seus corações pelo Espírito Santo, e que permanece neles; ou se alguém disser que a graça pela qual somos justificados reflete somente a vontade de Deus—que seja maldito.

Estas declarações, ou melhor, maldições, foram pronunciadas contra os protestantes. Elas atingem o cerne da doutrina da justificação somente pela fé e são contrárias à defesa inabalável da soberania de Deus na salvação, proclamada pela Reforma do Século XVI. Essas maldições continuam fazendo parte dos ensinamentos da Igreja Católica.

A visão distorcida do Evangelho e da evangelização, no campo católico romano, não é algo que data apenas da Era Medieval. Vejam esta declaração extraída da encíclica papal "O Evangelho da Vida," escrita e divulgada à Igreja em 1995:

O Evangelho é a proclamação de que Jesus possui um relacionamento singular com todas as pessoas. Isso faz com que vejamos em cada face humana a face de Cristo.

Certamente teríamos que chamar esta visão do Evangelho de universalismo e declará-la contrária à fé cristã histórica.

Perante esse emaranhado de opiniões tão diferenciadas; perante o testemunho e o registro implacável da história; perante a crise de identidade, de doutrina e de prática litúrgica que nossas igrejas atravessam, qual deve ser a nossa compreensão da Reforma?

IV. CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE A REFORMA E OS REFORMADORES

Nosso apreço pela Reforma e pelas suas doutrinas não deve nos levar a uma visão utópica e idealista com relação aos seus personagens principais. Devemos reconhecer os seus feitos, mas também as suas limitações. É na compreensão da falibilidade humana que detectamos a mão soberana de Deus empreendendo os seus propósitos na história. Vejamos alguns pontos que valem a pena ser recordados:

A. Lutero foi um homem falível

As 95 Teses de Lutero realmente representaram um marco e um ponto de partida para a recuperação das sãs doutrinas. Entre as teses, encontramos expressões de compreensão dos ensinamentos da Bíblia, como por exemplo na tese 62 ("O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus") e na tese 94 ("Os cristãos devem ser exortados a seguir a Cristo, a sua cabeça, com diligência"). Entretanto, devemos reconhecer que elas estão longe de ser, em sua totalidade, expressões precisas da verdadeira fé cristã. Elas registram, na realidade, o início do pensamento de Lutero, que seria trabalhado e refinado por Deus ao longo de estudos e experiências posteriores do Reformador. Vejamos os seguintes exemplos:

Lutero faz referência ao Purgatório, sem qualquer contestação à doutrina em si, em 12 das suas teses (teses 10,11, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 25, 26, 29, 82). Ex.: Tese 29: "Quem disse que todas as almas no Purgatório desejam ser redimidas? Temos exceções registradas nos casos de S. Severino e S. Pascal, de acordo com uma lenda sobre eles".

Além da menção aos santos na tese acima, Lutero faz referência a Maria como mãe de Deus (Tese 75), aparentemente não no sentido histórico do termo (o termo histórico, em grego Theotokos, tinha o propósito de reconhecer a divindade de Jesus), mas no conceito católico da expressão, que infere a existência de um poder especial em Maria: Diz a Tese 75– "É loucura considerar que as indulgências papais têm tão grande poder que elas poderiam absolver um homem que tivesse feito o impossível e violado a própria mãe de Deus."

Quatro teses sugerem legitimidade ao papado e à sucessão apostólica (77, 5, 6, 9). Ex.: Tese 77: "É blasfêmia contra São Pedro e contra o Papa dizer que São Pedro, se fosse o papa atual, não poderia conceder graças maiores [do que as atualmente concedidas]."

Além disso, verificamos que resquícios do romanismo se fizeram presentes na formulação da Igreja Luterana, principalmente na sua estruturação hierárquica e na compreensão quase católica dos elementos da Ceia do Senhor. Possivelmente poderíamos também dizer que na Reforma encontramos individualismo em excesso e falta de unidade entre irmãos de mesma opinião teológica (principalmente nas interações dos luteranos com Zwinglio e Calvino). Mas, com todas essas limitações, os Reformadores foram poderosamente utilizados por Deus na preservação das Suas verdades.

B. A revolta de Lutero foi eminentemente espiritual

Não poderemos compreender a Reforma se acharmos que Lutero foi movido por uma revolta contra pessoas, contra padres corruptos, apenas. A ação de Lutero foi uma revolta contra uma estrutura errada e uma doutrina errada de uma igreja que distorcia a salvação. A Reforma não foi um movimento sociológico; Lutero não pretendia ensinar a salvação do homem pela reforma da sociedade, embora compreendesse que a sociedade era reformada pelas ações do homem resgatado por Deus. Na realidade, a Reforma do Século XVI foi um grande reavivamento espiritual operado por Deus, que começou com uma experiência pessoal de conversão.

C. Lutero não formulou novas doutrinas, ou novas verdades, mas redescobriu a Bíblia em sua pureza e singularidade

As 95 Teses representam coragem, desprendimento, uma preocupação legítima com o estado decadente da Igreja, e uma busca dos verdadeiros ensinamentos da Palavra. Mas é um erro achar que a Reforma marca a aparição de várias doutrinas nunca dantes formuladas. A Palavra de Deus, cujas doutrinas estavam soterradas sob o entulho da tradição, é que foi resgatada. Uma das características comuns das seitas é a presunção de ter descoberto supostas verdades que eram totalmente desconhecidas até que foram reveladas a algum líder. Essas "verdades" passam a ser determinantes na interpretação das demais e tornam-se o ponto central dos ensinamentos da seita. A Reforma coloca-se em completa oposição a esta característica. Nenhum dos Reformadores declarou ter "descoberto" qualquer verdade oculta. Eles tão somente apresentavam, com toda singeleza, os ensinamentos das Escrituras. Seus comentários e controvérsias versavam sempre sobre a clara exposição da Palavra de Deus.

Mais uma vez, Martin Lloyd-Jones nos indica "que a maior lição que a Reforma Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na esfera da Igreja e das coisas do Espírito, é olhar para trás." Lutero e Calvino, diz ele, "foram descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e que eles tinham esquecido."

V. A MENSAGEM DA REFORMA PARA OS DIAS DE HOJE

As mensagens proclamadas pela Reforma continuam sendo pertinentes aos nossos dias. Da mesma forma como a Palavra de Deus é sempre atual e representa a Sua vontade ao homem, em todas as ocasiões, a Reforma, com suas mensagens extraídas dessa mesma Palavra, transborda em atualidade para a cena contemporânea da Igreja Evangélica. Vejamos apenas alguns pontos pregados pelos Reformadores e a sua aplicação presente:

A. A Reforma resgatou o conceito de pecado - Rm 3:10-23

A venda das indulgências mostra como o conceito do pecado estava distorcido na ocasião da Reforma do Século XVI. A Igreja Medieval e, principalmente, as ações de Tetzel, fugiram totalmente da visão bíblica de que pecado é uma transgressão da Lei de Deus, qualquer falta de conformidade com Seus padrões de justiça e santidade. A essência do pecado foi banalizada ao ponto de se acreditar que o seu resgate podia se efetivar pelo dinheiro. É fácil ver as implicações que a falta de um conceito bíblico de pecado traz para outras doutrinas chaves da fé cristã. Por exemplo: se o resgate é em função da soma de dinheiro paga, como fica a expiação de Cristo, qual a necessidade dela? Ao se insurgir contra as indulgências, Lutero estava, na realidade, reapresentando a mensagem da Palavra de Deus sobre o homem, seu estado, suas responsabilidades perante o Deus Santo e Criador e sua necessidade de redenção.

Hoje, estes conceitos estão cada vez mais ausentes da doutrina da Igreja contemporânea. A mensagem da Reforma continua necessária aos nossos dias. Estamos nos acostumando a ouvir que todas as ações são legítimas; que pecado é uma conceito relativo e ultrapassado; que o que importa é a felicidade pessoal e não a observância de princípios. Mesmo nos meios evangélicos, existe grande falta de discernimento — há uma preocupação muito maior com a necessidade de encontrar justificativas, explicações e racionalizações do que com a convicção e o arrependimento.

B. A Reforma pregou a doutrina da Justificação somente pela Fé - Gl. 3:10-14

A Igreja Católica havia distorcido o conceito da salvação, pregando abertamente que a justificação se processava por intermédio das boas obras de cada fiel. Lendo a Palavra, Lutero verificou o quão distanciada essa pregação estava das verdades bíblicas — a salvação é uma graça concedida mediante a fé e as boas obras não fornecem a base para ela; mas apenas a evidenciam e são subprodutos dela. A salvação procede da infinita misericórdia de Deus para com o homem pecador. É Deus quem arranca o homem da lama e perdição do pecado. Enfim, a obra completa da salvação é realizada por Deus.

Hoje, estamos novamente perdendo essa compreensão – a mensagem da Reforma é necessária. A justificação pela fé continua sendo esquecida e procura-se a justificação pelas obras. Muitas vezes prega-se e procura-se a justificação perante Deus através do envolvimento em ações de cunho social.

A justificação pela fé está sendo, ultimamente, considerada um ponto secundário, mesmo no campo evangélico. Assim, muitos têm partido para trabalhos de ampla cooperação, como base de fé e de unidade, como vimos no pensamento expresso pelo documento já referido: Evangélicos e Católicos Juntos.

C. A Reforma resgatou o conceito da autoridade vital da Palavra de Deus - 2 Pe 1:16-21

Na ocasião da Reforma, a tradição da Igreja já havia se incorporado aos padrões determinantes de comportamento e da doutrina e, na realidade, já havia abandonado as prescrições das Escrituras. A Bíblia era conservada distante e afastada da compreensão dos devotos; era considerada um livro só para os entendidos, um livro obscuro e até perigoso para as massas. Os Reformadores redescobriram e levantaram bem alto o único padrão de fé e prática: a Palavra de Deus e, por este padrão, aferiram tanto as autoridades como as práticas religiosas em vigor.

Hoje o mundo está sem padrão. Mas não é somente o mundo, a própria Igreja Evangélica está voltando a enterrar o seu padrão em meio a um entulho místico pseudo-espiritual – a mensagem da Reforma continua necessária.

Sabemos que nas pessoas sem Deus imperam o subjetivismo e o existencialismo. A única regra de prática existente parece ser: "Comamos e bebamos porque amanhã morreremos." Verificamos que nas seitas existe uma multiplicidade de padrões. Livros e escritos são apresentados como se a sua autoridade estivesse paralela ou até acima da Bíblia. A cena comum é a apresentação de novas revelações, geralmente de caráter escatológico e de características fluidas, contraditórias e totalmente duvidosas.

No meio eclesiástico liberal, já nos acostumamos a identificar o ataque constante à veracidade das Escrituras. Já há mais de dois séculos os liberais têm contestado sistematicamente a Palavra de Deus, como se a fé cristã verdadeira fosse capaz de subsistir sem o seu alicerce principal.

Mas é no campo Evangélico que somos perturbados com os últimos ataques à Bíblia como regra inerrante de fé e prática. Ultimamente muitos pseudo-intelectuais têm questionado a doutrina que coloca a Bíblia como um livro inspirado, livre de erro. Podemos tomar como exemplo o caso do Fuller Theological Seminary. Esta famosa instituição evangélica foi fundada em 1947 sobre princípios corretos. Logo após o seu início, formulou-se uma declaração de fé que especificava: "…os livros do Velho Testamento e Novo Testamento…, nos originais, são inspirados plenariamente e livres de erro, no todo e em suas partes…" Entretanto, em 1968, o filho do fundador, Daniel Fuller, que havia estudado sob Karl Barth, começou a questionar a inerrância da Bíblia, fazendo distinção entre trechos "revelativos" e trechos "não revelativos" das Escrituras. Foi seguido nesta posição pelo presidente, David Hubbard, e por vários outros professores, todos considerados evangélicos. Logicamente não há critério coerente ou autoritativo para fazer esta distinção. Subtrai-se da Igreja o seu padrão, derruba-se um dos pilares da Reforma, e a Igreja é retroagida a uma condição medieval de dependência dos "especialistas" que nos dirão quais as partes em que devemos crer realmente e quais as que devemos descartar como mera invenção humana.

No campo evangélico neopentecostal a suficiência da Palavra de Deus é desconsiderada e substituída pelas supostas "novas revelações", que passam a ser determinantes das doutrinas e práticas do povo de Deus.

A Confissão de Fé de Westminster, em seu Capítulo 1º, apresenta a mensagem inequívoca da Reforma do Século XVI, cada vez mais válida aos nossos dias. Ali a Bíblia é descrita como sendo a "… única regra infalível de fé e de prática".

D. A Reforma redescobriu na Palavra a doutrina do Sacerdócio Individual do Crente – Hb 10:19-21

O sacerdócio individual do crente foi uma outra doutrina resgatada. Ela apresenta a pessoa de Cristo como único mediador entre Deus e os homens, concedendo a cada salvo "acesso direto ao trono" por intermédio do sacrifício de Cristo na cruz e pela operação do Espírito Santo no "homem interior". O ensinamento bíblico, transmitido pela Reforma, eliminava os vários intermediários que haviam surgido ao longo dos séculos, entre o Deus que salva e o pecador redimido. Na ocasião, esse era um ensinamento totalmente estranho à Igreja de Roma, que sempre se apresentou como tendo a palavra final de autoridade e interpretação das Escrituras.

Lutero rebelou-se contra o véu de obscuridade que a Igreja lançava sobre as verdades espirituais e levou os fiéis de volta ao trono da graça. Isso proporcionou uma abertura providencial de conhecimento teológico e religioso. Lutero sabia disso, mas sabia também que o acesso a Deus deveria estar fundamentado nas verdades da Bíblia, tanto que um de seus primeiros esforços, após o rompimento com a Igreja Romana, foi a tradução da Palavra de Deus para a língua falada em seu país: o alemão.

O ensinamento do sacerdócio individual do crente foi o grande responsável pelo estudo aprofundado das Escrituras e pela disseminação da fé reformada. Levados a proceder como os bereanos, os crentes verificaram que não dependiam do clero para o entendimento e aplicação dos preceitos de Deus e passaram a entender com determinação as doutrinas cristãs.

A mensagem da Reforma continua sendo necessária hoje. A igreja contemporânea está multiplicando-se em quantidade de adeptos, mas é uma multiplicação estranha que segue acompanhada de uma preguiça mental quanto ao estudo. Parece que fomos todos tomados de anorexia espiritual, onde nos contentamos com muito pouco, nos achamos mestres sem estudar, nos concentramos na periferia e não no cerne das doutrinas e ficamos felizes com o recebimento só do "leite" e não da "carne".

A mensagem da Reforma é necessária para que não venhamos a testemunhar a consolidação de toda uma geração de "analfabetos cristãos". Em vez de procurar "tudo enlatado" e de deixar que apenas formas de entretenimento povoem nossa mente e coração, devemos nos lembrar constantemente da importância de "guardar a palavra no coração".

Precisamos nos aperceber de que a objetividade da Palavra de Deus é verdade proposicional objetiva. Mas esta objetividade tem que ser acompanhada do nosso estudo e da nossa capacidade de compreensão, sob a iluminação do Espírito Santo de Deus, e da aplicação coerente dos ensinamentos desta Palavra em nossa vida.

E. A Reforma apresentou, de forma clara e inequívoca, o conceito de Soberania de Deus - Salmo 24

Na ocasião da Reforma, as expressões de religiosidade tinham se tornado totalmente centralizadas no homem. Isso ocorreu principalmente pela grande influência de Tomás de Aquino na sistematização do pensamento católico romano. Abraçando as idéias de Pelágio, Aquino enfatizou completamente o livre arbítrio do homem. Ele desconsiderou a gravidade da escravidão ao pecado que torna o homem incapaz de escolher o bem. Lutero reconheceu que a salvação se constituía em algo mais que uma mera convicção intelectual. Era, na realidade, um milagre da parte de Deus. Por isso, ele tanto pregou quanto escreveu sobre "a prisão do arbítrio". Costumamos atribuir a cristalização das doutrinas relacionadas com a soberania de Deus a João Calvino apenas, mas o ensinamento bíblico de Lutero traz, com não menor veemência, uma teologia teocêntrica na qual Deus reina soberanamente em todos os sentidos.

Hoje, a mensagem continua a ser necessária, pois o homem, e não Deus, continua sendo o centro das atenções. Mesmo dentro dos círculos evangélicos, a evangelização elege a felicidade do homem como alvo principal, e não a glória de Deus. Até a nossa liturgia é desenvolvida em torno de algo que nos faça "sentir bem", e não com o objetivo maior da glorificação a Deus. Nesse aspecto, deveríamos estar atentos à mensagem de Amós, que nos ensina (Am 4:4-5) que Deus não Se impressiona com a liturgia que não é direcionada a Ele. Nesse trecho vemos que a adoração realizada em Betel e Gilgal tinha várias características dos cultos contemporâneos:

1. Os locais eram suntuosos e famosos (Betel possuía belas fontes no topo da montanha).

2. A periodicidade dos cultos e possivelmente a freqüência era exemplar (diariamente se reuniam).

3. As contribuições eram abundantes, superando até os padrões de Deus (de três em três dias traziam as ofertas).

4. O louvor era abundante (sacrifícios de louvor eram ofertados; Am 5.23 e 6.5 falam também do estrépito dos cânticos e da transbordante música instrumental).

5. Havia bastante publicidade (as ofertas eram divulgadas e apregoadas).

6. Havia alegria e deleite geral nos trabalhos ("disso gostais", diz o profeta).

O resultado de toda essa adoração centralizada no homem foi a mão pesada de Deus em julgamento sobre aquela sociedade insensível (com aquele culto, as pessoas, dizia o profeta, "multiplicavam as suas transgressões"). Realmente, à semelhança da Reforma, precisamos resgatar a pregação da soberania de Deus e demonstrar esta doutrina na prática de nossa vida e na das nossas igrejas.


CONCLUSÃO

Devemos reconhecer a Reforma como um movimento operado por homens falíveis, mas poderosamente utilizados pelo Espírito Santo de Deus para resgatar Suas verdades e preservar a Sua Igreja. Não devemos endeusar os Reformadores nem a Reforma, mas não podemos deixá-la esquecida e nem deixar de proclamar a sua mensagem, que reflete o ensinamento da Palavra de Deus para os dias de hoje. A natureza humana continua a mesma, submersa em pecado. Os problemas e situações tendem a se repetir, até no seio da Igreja. O Deus da Reforma fala ao mundo hoje, com a mesma mensagem eterna. Devemos, em oração e temor, ter a coragem de pregá-la e proclamá-la à nossa Igreja.

(Publicado em O Presbiteriano Conservador na edição de Setembro/Outubro de 1997)

Agostinho e as Conseqüências da Queda

por

R. C. Sproul

Philip Schaff lista oito conseqüências distintas da queda desenvolvidas por Agostinho. Nós as pesquisaremos com observações.

Primeira, a própria queda. Desde que o homem foi criado com a posse peccare, ele teve a capacidade para cair desde o começo. Ele foi criado bom, mas também mutável. Esta possibilidade de pecar foi mais tarde chamada por Karl Barth como "possibilidade impossível." Esta, obviamente, é uma declaração absurda, uma contradição veraz de termos. Desde que Barth não se preocupava com as contradições, não achou dificuldade em usar esta frase. Mas talvez tenha usado deliberadamente esta contradição dissonante como um artifício literário para mostrar a incompreensibilidade de uma boa criatura cair em pecado. A queda é uma irracionalidade manifesta.

Para Agostinho, a severidade da queda é vista através de seu contraste severo com a sublimidade da condição original do homem. A palavra queda dificilmente faz justiça à idéia de salto das alturas exaltadas para a profundidade abismal. Schaff comenta: "A queda de Adão apresenta-se como a maior e a mais digna de castigo se considerarmos, primeiramente, a altura que ele ocupava, a imagem divina na qual foi criado; então, a simplicidade do mandamento, e [a] tranqüilidade de obedecê-lo, na abundância de todos os tipos de frutos no paraíso; e, finalmente, a sanção do mais terrível castigo do seu Criador e mais formidável Benfeitor." [1]

A segunda conseqüência do pecado é a perda da liberdade. Desde que essa dimensão do pensamento de Agostinho é tão crítica à toda a controvérsia sobre o livre arbítrio, nós a desenvolveremos de forma mais completa mais tarde. Por ora, diremos rapidamente que algo desastroso aconteceu à vontade humana como resultado da queda. Na criação, o homem tinha uma inclinação positiva para o bem e para amar a Deus. Embora fosse possível que o homem pecasse, não havia necessidade moral para que assim agisse. Como resultado da queda, o homem passou a ser escravo do mal. A vontade caída tornou-se uma fonte de mal no lugar de uma fonte do bem.

A terceira conseqüência do pecado é a obstrução do conhecimento. A capacidade intelectual do homem era muito maior na criação do que após a queda. As conseqüências da queda incluem o que os teólogos referem-se como os "efeitos intelectuais do pecado." A palavra intelectual é derivada da palavra grega para "mente", que é nous. Originalmente, a mente do homem podia absorver e analisar a informação muito melhor e mais acuradamente do que podemos agora. Ele podia entender a verdade corretamente, sem distorção. No entanto, o homem não era dotado por Deus com o atributo divino da onisciência. Este é um dos atributos "incomunicáveis" que Deus não pode de fato "comunicar" à criatura. Um ser onisciente, que tem uma compreensão infinita e eterna de toda a extensão da realidade, deve ser eterno e infinito. Consequentemente, Adão tinha um limite no seu conhecimento dotado e estava sobre uma curva de aprendizado desde o início. No entanto, sua capacidade para aprender não era obstruída pelo pecado original. Na criação, o processo de aprendizado era fácil. A mente do homem não estava obscurecida pelo pecado.

Depois da queda, o homem ainda possui uma mente. Ele ainda pode pensar. Ainda pode raciocinar. Ele não perdeu a faculdade da mente. A faculdade permanece; a facilidade está perdida. O que foi fácil uma vez, agora é difícil. Nossa habilidade para raciocinar foi claramente afetada. Somos agora inclinados para o pensamento confuso e para cometer erros lógicos. Fazemos inferências ilegítimas a partir de dados e cometemos falácias lógicas. Nossos argumentos não são sempre sadios.

Dois fatores principais estão envolvidos aqui. O primeiro é o enfraquecimento do poder da mente e de sua faculdade de pensamento. O segundo é a influência negativa da predisposição pecaminosa e do preconceito, especialmente com relação ao nosso entendimento do bem e de Deus. A Escritura fala das nossas mentes sendo "obscurecidas" e "réprobas." Recusamos ter Deus em nosso pensamento. Isto não é um lapso mental isolado mas um lapso moral ao extremo.

Há uma analogia entre a função da mente e a função do corpo após a queda. Ainda temos corpos que exibem força física. O corpo ainda trabalha. Mas o trabalho do corpo agora é acompanhado de suor e fadiga. Semelhantemente, a mente ainda trabalha, mas o pensamento correto é laborioso para a mente.

A quarta conseqüência do pecado é a perda da graça de Deus. Na criação, Deus proveu o homem com um adjutorium , uma assistência graciosa certa para o bem. Após a queda, Deus retirou da criatura esta graça assistente. Em um sentido, o homem foi entregue ao pecado, para seguir os planos maus da sua mente. Seu coração é agora cheio de dolo e seus desejos são continuamente maus. Com certeza ainda permanece uma graça pela qual Deus, através da sua lei e providência, contém o mal humano. Ele o mantém em confronto até um certo ponto. Mas este freio divino não é a assistência positiva da graça para o bem mas um freio negativo do mal.

A quinta conseqüência do pecado é a perda do paraíso. Parte da maldição que se seguiu à queda foi a expulsão do Éden. Deus baniu Adão e Eva do jardim paraíso e colocou na entrada do Éden um sentinela angelical que empunhava uma espada flamejante. Este sentinela prevenia que Adão e Eva voltassem ao jardim. Consequentemente, o ambiente no qual eles gozavam da presença imediata de Deus e da comunhão com ele foi retirado. Com o exílio, veio também as maldições sobre a mulher (ela deveria experimentar dor ao dar à luz), sobre a serpente (esta iria rastejar no pó sobre o seu ventre), e sobre o homem (ele iria, com suor e fadiga, trabalhar o solo que resistiria aos seus esforços). O novo ambiente é marcado pela presença de ervas daninhas, espinhos e urzes. Não havia ervas daninhas no Jardim do Éden.

A sexta conseqüência é a presença da concupiscência. A noção da concupiscência, que aparece do começo ao fim dos escritos de Agostinho, envolve uma certa predileção para o que é sensual. Não é a própria sensualidade mas uma inclinação a ela. Envolve uma certa "tendência" ou inclinação da vontade em direção à lascívia da carne, e esta concupiscência guerreia contra o espírito. "Originalmente, o corpo era tão alegremente obediente ao espírito quanto o homem a Deus," Schaff comenta. "Havia apenas uma vontade em exercício. Com a queda, esta harmonia bonita foi quebrada e o antagonismo, que Paulo descreve no sétimo capítulo da epístola aos Romanos, surgiu...logo, concupiscentia é substancialmente o mesmo que Paulo chama de 'carne' no mau sentido. Não é a constituição sensual em si mesma, mas sua predominância sobre a natureza mais alta e racional do homem...A concupiscência, então, não é algo meramente corpóreo mais do que o sarx bíblico, mas tem o seu lugar na alma, sem a qual nenhuma concupiscência surge." [2]

A sétima conseqüência do pecado é a morte física. Na criação, o homem tinha tanto a posse mori quanto a posse non mori , a capacidade para morrer ou para não morrer. Deus advertiu Adão de que se ele comesse do fruto proibido, morreria. Esta advertência foi negada pela serpente, que alegou que Adão e Eva não morreriam mas se tornariam como deuses.

Notamos rapidamente que Deus havia ameaçado a morte imediata: "no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gn 2.17). Porém Adão e Eva não experimentaram a morte física (thanatos) no mesmo dia da sua transgressão. Isto tem levado alguns a concluírem que a penalidade "real" para o pecado foi a morte espiritual, a qual aconteceu imediatamente. Mas, para o texto e para Agostinho, o castigo para o pecado não foi limitado à morte espiritual. Ele incluía a morte física também, a qual Adão e Eva eventualmente experimentaram. Este foi o grande inimigo que Cristo mais tarde conquistaria para seu povo. Como um resultado da queda, a morte física é agora uma necessidade, não uma mera possibilidade.

Agostinho mencionou que para Adão e Eva, a morte física não foi totalmente adiada até que respirassem seu último fôlego. A morte física começou no momento em que transgrediram. A partir daquele momento, as ruínas da morte- envelhecimento, declínio físico e doenças- acompanharam a vida humana. Desde o pecado de Adão, cada bebê nasce em meio às dores de parto. Com as dores do parto e o primeiro choro do infante, o processo da morte é inaugurado. Toda a vida é parte deste processo. A vida marcha inexoravelmente em direção à sepultura. Este é o preço do pecado.

A oitava e última conseqüência do pecado é a culpa hereditária. O pecado original significa que o pecado não é meramente uma ação, mas também uma condição transmitida de nossos primeiros pais para cada um de nós. O pecado é um habitus, algo que "habita" a nossa natureza humana. Este estado, condição ou hábito de pecar continua através da procriação, de geração a geração. O pecado original é transmitido diretamente através do processo natural de geração humana? Ou Deus direta e imediatamente cria cada alma outra vez? Agostinho oscilava entre estas duas escolas de pensamento (conhecidas como traduciasnismo e criacionismo) porque ele pensava que a Escritura não respondia a questão de forma definitiva.

Estas conseqüências do pecado original são o que Pelágio achou tão odioso. Ele viu uma certa injustiça na descendência de Adão sendo afetada tão adversamente por causa das ações de Adão. Agostinho, por outro lado, considerava o pecado original como um castigo justo para Adão e para todos aqueles a quem ele representava. Ele escreve no The City of God :

O pecado [de nossos primeiros pais] foi um desprezo à autoridade de Deus. Deus criou o homem; ele o fez à sua própria imagem; ele o estabeleceu acima dos outros animais; ele o colocou no Paraíso; o enriqueceu com todo o tipo de abundância e segurança; não lhe impôs nem muitos, nem grandes nem difíceis mandamentos mas, a fim de tornar uma obediência sadia fácil para ele, lhe deu um único pequeno e leve preceito pelo qual lembraria à criatura, cujo serviço deveria ser livre, de que ele era Senhor. Consequentemente, foi justa a condenação que se seguiu e uma condenação tal que o homem, que através da manutenção dos mandamentos deveria ter sido espiritual até mesmo em sua carne, se tornou carnal até mesmo em seu espírito. E assim como em seu orgulho, ele buscou ser sua própria satisfação, Deus, em sua justiça, o abandonou em si mesmo, não para viver na independência absoluta que ansiava mas, no lugar da liberdade que desejava, para viver insatisfeito consigo mesmo em uma sujeição dura e miserável a quem, através do pecado, havia se submetido. Ele foi condenado, a despeito de si mesmo, a morrer em corpo assim como havia se tornado, por vontade própria, morto em espírito, condenado até mesmo à morte eterna (não tivesse a graça de Deus o libertado) porque havia renunciado à vida eterna. Qualquer um que pense que este castigo foi excessivo ou injusto, mostra a sua inabilidade para medir a grande iniquidade de pecar onde o pecado podia tão facilmente ser evitado. [3]

O fato da controvérsia pelagiana ter surgido pouco tempo depois da controvérsia donatista, que envolvia o tema do batismo, é significante. O batismo de infantes veio para a dianteira na controvérsia pelagiana precisamente porque os pelagianos insistiam que os infantes nasciam livres do pecado original. Na igreja, o batismo para infantes geralmente considerava o envolvimento na remissão de pecados. Agostinho, que sustentava a noção de que o batismo se relacionava ao perdão do pecado original e da culpa, disse de Pelágio: "Se você perguntasse a ele qual é o pecado que ele supõe ser cancelado para eles, ele afirmaria que eles não tinham nenhum." [4]

Schaff observa: "...o batismo, de acordo com Agostinho, remove apenas a culpa (reatus) do pecado original, não o próprio pecado (concupiscentia). Na procriação, o agente não é o espírito regenerado, mas a natureza que ainda está sob o domínio da concupiscentia. 'Pais regenerados não produzem como filhos de Deus, mas como filhos do mundo'".

A doutrina do pecado original é central para o entendimento de Agostinho tanto da graça quanto do livre arbítrio. O pecado original faz com que a graça seja necessária. O pecado original define a escravidão da vontade. A visão de alguém da graça e do livre arbítrio é inseparavelmente relacionada ao seu entendimento do pecado original. Aquele que adota a visão de Agostinho do pecado original é compelido a investigar o seu entendimento da graça e da vontade caída.

NOTAS:

[1] - Philip Schaff, History of the Christian Church, 8 vols. (1907-10; Grand Rapids: Eerdmans, 1952-53), 3:825.

[2] - Ibid., 3:826-27.

[3] - Agostinho, The City of God, em Agostinho, Basic Writings, 2:260 (14.15). Em nome da leitura, desmembrei uma sentença extremamente longa ("consequentemente, porque o pecado era um desprezo à autoridade de Deus...ele renegou a vida eterna.") em cinco sentenças.

[4] - Schaff, History of the Christian Church , 3:839.


Fonte: R. C. Sproul. Sola Gratia. Cultura Cristã.

FUJAMOS DESSA GRAVIDADE!

“ Os discípulos, porém, transbordavam de alegria e do Espírito Santo”.Atos 13:52.

Certa feita alguém ao falar sobre testemunho cristão, sobre a vida de testemunho, mencionou a palavra “tristemunho”. Você já reparou? Todas as vezes que pensamos em vida exemplar de conduta, nos vem à mente apenas a questão moral. Pensamos tão somente naquilo que denominaríamos males grosseiros, como roubar, como a imoralidade, enfim, naquilo que chamaríamos escândalo. Diríamos a respeito de alguém: “Ele está escandalizando”!

Contudo, nunca pensamos num mal que talvez seja maior ou tanto quanto nocivo como o mal testemunho moral, que é uma vida cristã irrealizada, infeliz, reclamona, amargurada, que sai piorando a vida de todas as pessoas que estão ao nosso redor, que convivem conosco, pelos respingos do que somos. ISSO É A MAIS PURA VERDADE!!!

O texto acima, Atos 13:52, mostra a verdade do comportamento cristão. Eles eram perseguidos, presos, mortos, mas diz a Palavra que eles transbordavam de alegria que procedia do Espírito Santo. Muitos cristãos podem não viver o mal testemunho, mas vivem uma vida de “tristemunho”. Vivem tão sobrecarregados, tão mal humorados, que não suportando sai falando de tudo e de todos, até da igreja de Cristo e com essa conduta ESPANTA a muitos que um dia pensaram em servir a Jesus, a estarem numa igreja.

Pois é, talvez você tenha uma vida moral irrepreensível, mas também, talvez tenha uma vida de “tristemunho” tão evidente que se transforma também num mal testemunho. Que o Senhor nos dê a auto crítica necessária e fujamos dessa gravidade.

Pr. F.C.K.S. (Rev. Francisco - IP.Vila Jardim)